de respirar. de precisar sair da cama todos os dias. de não ter motivação. de não conseguir esperar nada. de assassinar friamente expectativas. de não ter amor no coração. de não saber o que procurar. de sair todos os dias sem rumo. de dar voltas e voltar ao mesmo local. de encarar o espelho e sentir ódio. de querer e nunca conseguir. de então decidir matar o desejo. de sufocar muito a ponto de nem saber o que se quer. de chorar com a desculpa esfarrapada de que alivia. de beber para abstrair. de não conseguir passar da segunda lata. da dor de estômago. da queimação de nervoso. da rinite sem limites. da vontade de dormir, igualmente sem limites. da vontade de jogar as chaves de casa fora para não precisar mais sair. de não ter satisfações. de me menosprezar. de abobalhar meus progressos mínimos. de dar murro em ponta de faca. das quedas. de bater a cabeça na parede. de acumular calos e escoriações. de ter brincado de destruir bússolas e não ter norte. de não sentir coisas boas. de não sentir meus pulmões enchendo de ar enquanto corro. de não querer sair da água, pois é o único momento possível de desligamento. de não querer sair. de não ser nada. de não querer ser nada. de não ver acontecer. de não acontecer. de insistir sem ter fé alguma.
Você sabe que abraçou de vez a vida adulta quando para de se importar com pequenas picuinhas possíveis, como gostar de uma música da Sia, para exemplificar. E gostei porque vi o clipe e fiquei envolvida sem entender o motivo exato. Um Shia LaBeouf que no geral só me faz rir sendo levado a sério, uma Maddie Ziegler até então desconhecida (perdão, tinha pulado o Chandelier). Pode ser algo na movimentação dos corpos, pode ser a tentativa de emitir sons e gestos de dentro de uma gaiola, ou de ter uma gaiola larga o suficiente para poder atravessar suas grades mas ter medo de validar esse fato. Tinha aquela disputa, tão parecida com as duas vozes que guardo dentro de mim. Uma tentando aproximação, dar o braço a torcer, ceder por um momento. E a outra arredia, arisca, pronta para dar o bote. Thick skin, elastic heart. But your blade it might be too sharp. A gente se crê assim, de uma resistência incomum, de coração elástico, forte, mas sempre vai existir uma lâmina forte o suficiente para romper suas barreiras.
Foram anos pensando que curtir o silêncio e estar sozinha fosse um problema. Com a obrigação de ser “social”, estar rodeada de gente e ser amada. E acontece de não respeitarmos nosso ritmo: às vezes o isolamento é essencial. Não é definitivo, não significa abrir mão de companhias. Deixar-se ferir para aprender a se reerguer sozinha, sem essa necessidade urgente de se apoiar em quem estiver por perto.
Minha dor foi testada de todas as formas imagináveis. Inclusive provocadas por mim, na minha própria pele. Desde minha volta ao intercâmbio, quando aceitei melhor toda minha turbulência mental, passei a me sentir mais forte. Pois sim, passei por muita coisa, carreguei escoriações pelo corpo, e continuo aqui. Nem tão firme assim, mas viva. Oh, I’m still alive. Não por acaso resolvi criar a cicatriz justo na costela, na região mais sensível. Para provar a mim mesma que podem me atacar onde dói mais, que vou resistir e sair mais forte. Porque em 24 anos fui aprendendo a ser meio fênix.
Tardei a entender a necessidade de manter meu ponto de isolamento. Porque não adianta jogar a gaiola fora e ter e se colocar no mundo de forma tão ampla e constante. Quero ter sempre para onde voltar, e por isso tomei a liberdade de deixar a gaiola aberta. Existem os passarinhos livres, voando. Uns tantos deles. Ou a gaiola aberta de um lado e o passarinho voando em seguida. E oras, há quem precise de um espaço vazado de portas abertas, onde dê para transitar à vontade. Se isolar e se libertar conforme a conveniência.
A arte é da Julia Bicudo. E sim, doeu muito, doeu pra caralho.