Me intriga encontrar pedaços de teia de aranha no meio da parede. Como foram parar ali? Antes de aspirar me aproximo, tento olhar de perto e ver se há ligação com o solo de alguma forma ou se vem de cima. A luz amarelada me confunde, parece me mostrar a origem da teia no ponto onde as duas paredes se encontram. Mas é falso. Deve ter rolado do teto e pregado a poucos centímetros do chão, ou foi minuciosamente tecido para existir como ponto solto mesmo. Se antes morria de pavor de aranhas, agora aprendo a conviver com as espécies de apartamento, daquelas quase invisíveis e meio sorrateiras. Que amam espalhar suas teias em cada canto da casa, dessas que a gente pensa dominar e conseguir eliminar com alguma frequência e, indo na contramão do nosso desejo de organização e limpeza, seguem tomando conta e te lembrando do quão impossível é manter uma casa nos trinques.
Casas e apartamentos no térreo favorecem a proliferação de aracnídeos? Me pego às voltas com essa questão em mente pois não me lembro de ter visto uma aranha sequer no apartamento antigo, que ficava no segundo andar. Ou seria uma coisa do bairro? Fiz inúmeras mudanças ao longo dos anos, mas na maior parte do tempo foi de uma cidade para outra. Curioso observar o quanto o ‘bioma’ da casa muda tanto de um bairro para outro, com pouco menos de 2km de distância entre si.
A sensação térmica lá fora é de -5 e minha vontade é de passar alguns minutos com as mãos dentro de uma bacia com água escaldante. Sinto muito frio na ponta dos dedos e crio vontades pouco condizentes com a minha rotina, que me mantém isolada em casa e quase não me força a sair. A pele do meu rosto aos poucos se esquece da textura de uma base líquida e de um corretivo, e cada vez mais abro mão de me adornar com acessórios. Em um desses impulsos para relembrar o ato de se enfeitar tentei colocar um anel ajustável só para testar e notei meus dedos mais grossos. De tanto trajar moletom mal percebi quando meu corpo considerou por bem expandir seus horizontes. A pele foi encontrando seu jeito de existir dentro dessas novas condições, esticando cada vez mais e acomodando cada parcela de angústia em proporções físicas. Assim como as teias de aranha, preciso de tempo para aceitar transformações que tanto me impactam visualmente.
Na minha cabeça danço Ingenue, de Atoms for Peace, do jeito mais desajeitado possível. Movimento antes repetido com frequência no chão da sala do meu antigo apartamento de São Paulo. Colocava o clipe na tevê e ficava me movimentando livremente de um canto ao outro, sem nenhuma consciência do desenrolar dos meus gestos. O ritmo da cidade me cansava, este dançar desordenado era meu escape. Devo ter recusado inúmeros convites para sair só para ficar ali comigo mesma. Sem energia para colocar o nariz pra fora de casa e me expor a 30 variações de pânico, mas com disposição suficiente para me levantar do sofá e conduzir meu próprio anti-espetáculo. Quantas vezes honrei cada minuto de descanso enfiada dentro daqueles 50 m2 sem ter a menor ideia de que dali alguns anos isso se tornaria uma obrigação.
Pego meu Kindle e me acomodo no sofá de um apartamento bem maior do que aquele de São Paulo, um canto que apesar de estar repleto de confortos, não me inspira a dançar desajeitada pelos cantos. Tenho perdido tempo demais com as teias de aranha. Tento me conectar com algum vestígio do meu eu do passado, em uma busca incansável por força de vontade e meios para evitar sufocamento em condições adversas.
Atravesso os dias sem graciosidade alguma. Desordenada tanto quanto minha coreografia de Ingenue. Rabiscando folhas de papel dia após dia enquanto me pergunto se um dia vou deixar de notar e me incomodar com as teias de aranha.