Desalinho mental e todas aquelas coisas das quais não gosto de falar publicamente

Arte de Victoria Rivero

Desde muito jovem desenvolvi o hábito de rir da própria desgraça. Algumas linhas da psicologia chamam isso de chiste, e podemos traduzir como o famoso risos nervosos. Se eu estava angustiada ou com medo, soltava uma gostosa gargalhada. Lembro-me de uma vez em que estava viajando de avião com a minha mãe e, em meio a uma turbulência, a nave perdeu um pouco da pressurização. Tive uma crise de risos. Não é algo controlável, simplesmente acontece. Nunca vou me esquecer da cara da moça na fileira ao lado da nossa, que esmagava um terço com entre as duas mãos, chorava e olhava horrorizada para esta mulher doida do riso incontrolável. Me senti muito mal durante este episódio, pois não queria soar desrespeituosa. O máximo que consegui fazer com o mínimo de sucesso foi tapar a minha boca.

Este incidente diz muito sobre o meu jeito de levar a vida. Assumo o riso descontrolado como uma bomba relógio, até chegar o momento a explosão, quando baixo a guarda e tenho aquela crise de choro que me deixa com as pálpebras doloridas. Estes são meus escapes mais fortes. Já tive minhas fases de comer e beber para acalmar as mágoas, porém na maior parte do tempo oscilo entre os risos nervosos e a choradeira ilimitada.

Afinal, cada pessoa encontra a saída mais fácil e conveniente para suas necessidades do momento. Porém vejo o receio em falar sobre saúde mental como um traço compartilhado comum entre muitas pessoas neuroatípicas. Pois não é fácil expor algo tão sensível. Minha intenção não é reduzir o peso de outras doenças, tampouco de colocar diferentes níveis de dor em uma balança. Porém é curioso notar o quanto costuma ser mais fácil anunciar o diagnóstico de uma doença “clássica” do que assumir o tratamento de um problema psicológico.

Comecei a fazer psicanálise em 2015 e isso aflorou muita coisa que passou anos entalada na garganta. Começou com um processo muito doloroso, mas sentia aos poucos o quanto progredia e me reconstruía mais forte. Até ter uma recaída ainda no primeiro semestre de 2016, quando comecei a ter alguns sintomas de ansiedade. Minha primeira lembrança remete a um dia normal de trabalho quando, sem nenhum gatilho aparente, comecei a suar frio e ter taquicardia. Pensei ser algo pontual, porém além de se repetir incontáveis vezes, o quadro só piorou ao longo das semanas. Passei umas boas sessões mapeando estes sintomas com minha analista, até ela manifestar que talvez fosse o caso de consultar com um psiquiatra. Aquele não seria meu primeiro encontro com a psiquiatria. No meu primeiro contato, em 2014, o acompanhamento médico deixou um legado digamos traumático. As circunstâncias pouco ajudaram, pois na época não houve nenhuma assistência psicológica e eu só queria uma solução prática para conseguir sair da minha cama e seguir com as obrigações de vida adulta que, naquele ponto, tomavam proporções cada vez mais sérias.

Ouvir de minha analista que precisaria consultar um psiquiatra foi difícil, mas acabei cedendo. Busquei especialistas, li uma caralhada de avaliações antes de marcar a primeira consulta. Por sorte o santo bateu de imediato, facilitando minha vida e me poupando de sair em busca de um psiquiatra minimamente coerente. Depois de um ano sendo acompanhada por ele, recebi alta ainda no primeiro semestre de 2017. Mais uma vez, as circunstâncias eram favoráveis até demais. Começava a preparar minha mudança para França, havia concluído minha inscrição no mestrado e só aguardava o famigerado visto. Essa sensação boa de realizar um sonho me anestesiaria por muitos meses. De qualquer forma, eu havia me preparado para aquilo. Depois de meses de terapia e de acompanhamento psiquiátrico foi difícil me derrubar. Passei um bom tempo lidando muito bem com meus demônios, a ponto de convidá-los para um café com bolo no meio da tarde.

Até a pandemia me proporcionar uma viagem no tempo e começar a sentir todos aqueles sintomas outra vez. Em certa medida, deu pra sentir o retorno paulatino. Meus anos de estudante na França camuflaram a minha condição de imigrante. Como se tivesse usado o mecanismo de defesa de certos bichos para fingir naturalidade e agir como se fizesse parte daquele universo. Funcionou bem pois em teoria é muito fácil ser estudante e se adaptar aos moldes da academia em qualquer lugar do mundo. O mesmo serve para um estágio – eu era considerada uma estudante inexperiente independente da minha idade e experiência profissional prévia, e fui tratada como tal.

Embora a mudança para a Holanda tenha sido embalada de muita felicidade e acolhimento, não tardei a cair na real. Desaprendi muito sobre o ato de me camuflar pois até então nunca havia sido uma extensão de alguém, tampouco havia precisado viver num local onde não dominava a língua. Estar desempregada e ter dificuldades para me conectar com os residentes deste novo país provocou danos pesados ao meu estoque de energia. Adicione nesta conta este tempo indefinido e cada vez mais fluido da pandemia, a incerteza de quando poderia ver meus pais ou meus amigos outra vez. Não tardaria a dar um pane no sistema.

Consegui um emprego depois de um ano inteiro que se arrastou, um band-aid temporário que serviu para apaziguar alguns dos meus anseios. Porém a pandemia não acabou, e todas as incertezas e seguranças que já vinha carregando desde a minha mudança pra Holanda continuaram pairando por ali. Quando minha analista mencionou a possibilidade de consultar meu psiquiatra outra vez, houve resistência, pois na minha cabeça nunca mais precisaria de medicação outra vez. E embora estejamos de saco cheio de fazer tudo online, confesso ter sido um alívio conseguir entrar em contato com meu médico que segue atendendo em São Paulo e fazer minha consulta normalmente, podendo colocá-lo em contato com meu clínico geral daqui para fazer um bem bolado e acelerar o início do meu tratamento.

O remédio não vai apagar os meus problemas e transformar minha vida num parque de diversões. Meu psiquiatra é bem pé no chão e antes de falar sobre a medicação me passou mil recomendações sobre cuidados a serem levados em conta. As dicas são as mesmas de 2016 e envolvem cuidar da alimentação, reduzir a cafeína e o álcool e praticar atividade física diariamente. Como ele bem disse, de nada adianta tapar os buracos com uma medicação sem cuidar de toda a engrenagem que ajuda tua máquina a rodar. Sempre me doei muito e estou pronta a me desdobrar para ajudar os outros, mas me colocar como prioridade ainda é um desafio.

Se você caiu neste post por um acaso e sente necessidade de conversar com alguém sobre saúde mental, pode me mandar um e-mail. Conversaremos de forma anônima. Não sou especialista em saúde mental, tampouco tenho soluções mágicas, mas é sabido que dialogar sobre nos ajuda a ter um pouco mais de clareza e conquistar segurança na hora de buscar ajuda. Meu médico reforçou o quanto neste momento, mais do que nunca, é preciso unir forças e cuidar dos nossos, mesmo com as limitações de encontros físicos. Da minha parte, posso afirmar: enquanto estava prestes a me desintegrar de tanto passar nervoso nesta pandemia, poder desabafar com pessoas próximas foi um grande respiro. A dor não desaparece, mas fica menos latente. Dadas as proporções, este texto é uma forma de deixar um espaço de diálogo aberto a quem quiser conversar sobre – como fiz em algum momento do passado ao narrar minha experiência com o DIU mirena.

Já escrevi muito sobre saúde mental tanto aqui quanto na minha falecida newsletter, mas se não me falha a memória nunca abordei a questão da medicação de forma tão aberta. Decidi escrever algumas linhas sobre o tema pois vai ser uma forma de acompanhar meu progresso e observar se estou, de fato, progredindo e cuidando de mim de alguma forma.

Tenho rascunhado este texto há um tempo, pois, mais uma vez, ainda é delicado falar sobre o tema. Mas estou curiosa para observar a evolução do meu tratamento. Vem comigo?

Andanças #1

Olar, caro(a) leitor(a).

Sumi? Sumi. Bem horrorosa, bem bagunçada, e quando me peguei no meio de um Congresso de Blogueiras em plena Quermesse da Consolação (na Igreja, pois todas moças da casa do Senhor) acabei ficando com o coração pesado por tratar este espaço com tanto descaso. Ele não merece. A Nicas até comentou – sei que newsletters são legais, mas voltem com os blogs (inclusive visitem o dela)! Acontece que a vida não colabora muito, e às vezes faltam pautas, disposição e sossego. Sabe aquele momento que você para com o notebook no colo para fazer algo SEU? Escrever um texto, pensar em algo para o blog? Não tenho mais. Digamos que não é de todo mal, dado que ando muito ocupada aprendendo a viver, porém sinto falta de ter um registro escrito dessa vivência. E pensando nisso criei o andanças.

Melhor congresso <3
Melhor congresso ❤

Adotei o clássico modelo diarinho que muita gente costuma fazer. É um forma de voltar aqui no mínimo uma vez por mês para contar sobre as minhas andanças de uma forma mais leve, sem aquela obrigação de entregar um post que a meu ver esteja sem pontas soltas. Aqui eu deixo uma risada nervosa, pois até parece que algum dia vou escrever algo e me sentir 100% feliz com o resultado.

Vamos lá!

Tô assistindo: Meu povo, o que acontece comigo? Tantos anos esfregando minha carteirinha de cinéfila da fuça das pessoas e tcharãm, advinha quem não coloca os pés no cinema há um mês? Quem não assistiu nem dez filmes desde o início do ano? Euzinha. Meu plano para o segundo semestre é tentar reverter este quadro, pensei naquele esquema de ver pelo menos um filme por semana. O que vocês sugerem?

Por um acaso do destino fui ao cinema com uma amiga e assistimos Alice através do espelho, de James Bobin. Gosto de uma brisa louca, vocês sabem, mas o filme é afetado de-mais. Socorro. É uma estética que me deixa um tanto agoniada, ainda mais quando te tacam um belo par de óculos 3D nas mãos ao entrar na sala. Para minha surpresa, apesar dos exageros, o filme tem uma mensagem muito bonita. Para ensinar que tempo é um negócio importante e é preciso administrar nossa relação com ele por mais que doa.

Em janeiro adquiri um vício chamado Game of Thrones e, em menos de um mês, assisti às cinco temporadas. Antes que me perguntem como, estava desempregada. Em vias de streaming consegui assistir a sexta temporada e gente, que sofrência. Toda vez que travava eu morria um pouquinho, acho que meu macbook pode ter contraído alguns vírus dessa brincadeira, mas o vício nos faz perder a mão e machucar até mesmo nossos amigos mais próximos (te levo na assistência logo menos, querido notebook).

É cada tiro que a gente leva, meus amigos. Fazia tempo que Game of Thrones não tinha uma temporada tão boa e até deu pra perdoar a catástrofe que foi a quinta. O último episódio vai ao ar no próximo domingo e meu coração já fica pesado de antemão. Vou virar mais uma daquelas chatas que fica sofrendo a espera de um ano até a próxima temporada.

Tô lendo: Compensei a monstruosidade no trato com filmes com livros. Voltar a trabalhar me deu um gás nas leituras. Foi tão intenso que encarei até os dois primeiros de Karl Ove Knausgård, logo eu, que vivia evitando por motivos de mais de 400 páginas. Falei sobre a experiência de ler esse norueguês porreta na Pólen. Tenho planos de textão com resumos das leituras do primeiro semestre, vamos ver se sai. Neste mês terminei Um outro amor, que é o segundo volume da saga Minha Luta, do Knausgård. Spoiler: é maravilhoso e ainda melhor que o primeiro. Recebi O Céu de Lima, de Juan Gómez Bárcena, para resenhar pra Pólen. Nunca tinha lido nada de literatura peruana – contemporânea ainda por cima! – e adorei esse primeiro contato, o livro é envolvente e muito bem conduzido. Li Um copo de cólera, de Raduan Nassar, pois sempre bom ler um livro com até 100 páginas, não é mesmo? E deu aquela saudade de literatura nacional que é moderna-mas-saiu-já-tem-um-tempo. É um soco no estômago e estou com vertigem desde então. Agora peguei a sequência da série Napolitana de Elena Ferrante, História do novo sobrenome. Ainda estou com um pouco de náusea pós-copo de cólera, então tá difícil de pegar no tranco. Porém Ferrante, amigos. Já já ela acha um jeito de me amarrar de vez.

Tô ouvindo: Vocês brincam de descobertas da semana no Spotify? Muitas coisas acontecem nessas playlists. No começo não houve conexão entre nós, mas nos últimos tempos o aplicativo tem dado show. Sempre aparecem bandas que andam meio sumidas dos meus fones de ouvido e novidades bem interessantes. Nessas descobri Boots e acho que já ouvi Mercy  milhões de vezes. Também descobri Liniker (deixa eu bagunçar vocêêê). Pra vocês terem uma ideia de como não existe padrão e ele parece de fato jogar tudo que ando escutando num liquidificador antes de mandar sugestões. Desenterrei Bombay Bicycle Club e Nada Surf (i’ve got blooonde on blonde on my portable stereo). E ainda serviu pra ouvir bandas que todo mundo comentava mas eu morria de preguiça, como Haim e Boogarins. Talvez eu tenha encontrado novos amores.

Tô visitando: Para uma pessoa preguiçosa até que ando bem saidinha. Depois de levar muita chicotada no coração resolvi trabalhar para ser uma pessoa mais presente na vida dos amigos. O mix de caos paulistano com vida adulta dificulta tudo na hora de conciliar agendas, e a adaptação não acontece do dia para a noite, entretanto tive progressos. Essa parte aqui sempre vai ser tomada por restaurantes, cafés e bares, pois sou uma pessoa que ama comer e beber. Tem coisa melhor que estar com gente querida e ainda encher o bucho? Sigo batendo cartão no Por um punhado de dólares, café do amor: pertinho de casa, ao lado da academia. Agora trabalho em Pinheiros e eventualmente me jogo nas comidas maravilhosas espalhadas neste bairro. Também está nos planos revolucionários do blog fazer um Guia dos Gulosos em Pinheiros, assim fica fácil compartilhar as maravilhosidades da região com vocês.

 

Nas últimas duas semanas finalmente conheci o House of food. É um espaço colaborativo – o restaurante aluga e serve suas iguarias em um dia. Semana passada, por exemplo, teve Falafel do Pita e sopas polonesas da Pierogueria. Valores honestos, o que é mais importante. Também fui ao Café, Cachaça & Cia, que na hora do almoço faz qualquer um rolar de felicidade. Tem os pratos feitos tradicionais, com um diferencial – os acompanhamentos são à vontade. Arroz, feijão, batata rústica, farofinha, tudo à vontade e para o deleite de quem come feito uma condenada.

Na parede do House of Food, do lado de fora
Na parede do House of Food, do lado de fora

Com Isa e Simone, muito felizes pós-sopas polonesas <3
Com Isa e Simone, muito felizes pós-sopas polonesas ❤

Chocojack, o chocolate quente batizado com Jack Daniels
Chocojack, o chocolate quente batizado com Jack Daniels

Visitei Picasso: mão erudita, olho selvagem (Meu sonho é ter um Picasso no lavabo), em cartaz no Instituto Tomie Ohtake. Eles pegaram o acervo do Musée Picasso e trouxeram pra cá! Vocês tem noção do quão maravilhoso isso é? Por um valor bem honesto (R$12, e tem meia-entrada) dá para se sentir um pouco mais próxima desse espanhol maravilhoso. Guernica é uma das minhas telas favoritas, então qualquer pouquinho de Picasso faz bem pra alma. Aproveitem porque acaba em 14 de agosto e essa mania de adiar a visita não vai nos levar além.

Loka do dia por motivos de vestido bonitão
Loka do dia por motivos de vestido bonitão

Contemplativa
Contemplativa

Tô sentindo: O coração sossegado. Isso é uma grande vitória para quem está cuidando da ansiedade. É muito difícil e tem dias que chega a doer fisicamente, mas aos poucos encontro formas de me tratar bem e não sofrer com essa ansiedade maligna. Encontrei um pouco de serenidade para continuar minha caminhada e paciência para ficar mais forte. Ou forte o suficiente.

Beijocas e até a próxima 🙂

 

Passeando com a cria #1

Adotei uma cadela de um ano e seis meses, então Samira, que transformei em Safira. Falarei com mais detalhes sobre ela em breve. Como todo cãozinho, ela sente necessidade de passeios diários para cheirar outras bundas, pular no colo de qualquer pessoa que estabeleça contato visual, tentar mordiscar ossinhos jogados no meio fio e, quando sobra um tempo, fazer suas necessidades.

Antes de encontrar o Myspace, banheiro predileto da Safis, costumava levá-la a uma pracinha próxima da minha casa. Quando faço isso à noite, estou sujeita a um número maior de distrações – pessoas, muitas pessoas, e outros cachorros.

Gosto de observar a dinâmica dos passeios. Como tem pouco mais de um mês que adotei, não tenho coragem de soltá-la. É tudo na base da guia (!). O que fica bem difícil pois Safira se transforma em carreta furacão a cada passeio. Ver seus semelhantes ou um humano qualquer é motivo para ficar alucinada. Sério. Minhas mãos ficam vermelhas de tentar segurar a guia, mas não largo o osso. A maior parte das outras pessoas, claro, solta a coleira da guia e deixa seus bichinhos livres para correr pelo gramado.

Até aí, beleza. Apanho um pouco para despistar os cachorros e incentivar Safira a retomar o foco do passeio: fazer xixi e cocô.

O problema é que algumas pessoas também levam suas crianças para passear. Da mesma forma, soltam a guia e deixam suas crias livres. Claro que, assim como os donos de cachorros, os donos de seres humanos se sentam nos banquinhos e deixam suas criaturas livres e sem supervisão. E essas crianças podem te perturbar o espírito – ou o da sua cachorra, o que é ainda pior. Imaginem uma pequena criança encapetada interrompendo Safira a cada 30segundos de caminhada para um ataque de Felícia??? Ninguém pode apertar Safira assim, gratuitamente (só eu). Mas essa criança não dava trégua.

Rolou um diálogo mais ou menos assim:

Ok, agora deixa a Safira continuar o passeio porque preciso ir embora

– Mas por que?

– Tenho aula daqui a pouco e ela precisa fazer cocô [e você não deixa, criança demônia]

– Mas por que??? [pula na frente da Safis e abraça, imobilizando a bichinha]

– Porque tenho compromisso e preciso ir embora, e ela precisa seguir o passeio.

– Mas não tem problema!!! Deixa ela aqui comigo!!!!

Amigos, como proceder quando você não pode bater o pé com força e nem gritar SAI??

A condição de ser sozinha

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Ser sozinha é difícil, por vezes chega a doer, mas a gente se adapta depois de muitos anos fazendo parte dessa brincadeira. Já passou da questão de estado, não é sobre estar só, nunca foi algo temporário: é permanente. Já me incomodou bastante, mas depois de certa idade a gente deixa de achar um absurdo e entende que esse pesado “sozinha” pode ser tranquilamente uma condição humana. Via tanta beleza na solidão, achava até graça, conseguia fazer piada de tudo isso. Hoje em dia não desgosto, só me sinto mais conformada do que confortável.

A parte mais complicada desta condição é aquele nosso clássico tentar mudar de quadro, porque tem mudança que é favorável e possível, mas outras simplesmente não vão acontecer. A vida tem dessas, ela segue o seu curso, e esse caminho nem sempre condiz com a tua vontade mais íntima. Em muitas dessas tentativas eu quis me doar, ser amparo do outro, aquele lance meio masoquista de esmagar a sua felicidade e doar o que sobra pra quem não está bem. Me sentia muito útil, embora seguisse, a cada dia, mais esgotada. Era aquela equação furada do não tenho energia = pelo menos deixei alguém melhor. Nunca esperei nada do outro. Sou sozinha. Ajudava de bom grado. Até o momento em que comecei a sentir aquela coceira de poxa, poderia ser recíproco? Aceitei que precisava da troca com outra perspectiva – tem que haver reciprocidade, mas sabendo que nunca vai ser à altura. Outra conta que não fecha, mas sou o tipo de pessoa que nem percebe o quanto se engana o tempo inteiro.

Se brincar de tanto entalar, o saco ficou cheio. E uma hora esse saco estoura e não tem santo que dê conta da sujeira.

Dei um basta dessa espera que só servia pra me sugar energia e no momento me esforço pra transformar o “ser sozinha” em um estado permanente de amor próprio. E digo estado, porque condição é uma coisa que a gente adquire a longo prazo e com passos bem curtos – ou simplesmente nasce assim (não foi o meu caso).

Disso tudo aprendi que o egoísmo não é, necessariamente, uma coisa ruim. Se é para ser sozinha, que seja tendo um pouco mais de cuidado comigo. Então, se por ventura eu abrir mão de oferecer o bom e velho ombro amigo, não se ofenda: tô tentando me preocupar um pouco mais comigo do que com os outros, dado que nunca tive habilidade para isso. Quero pelo menos saber como funciona para decidir se quero mesmo seguir meu caminho como um ser humano pelo menos uns 70% altruísta. Porque ser 100% é um negócio que demanda muito desprendimento e, sinceramente, não vale a pena se esgotar tanto assim. Pode soar até um pouco arrogante, mas a ingratidão humana é um negócio tão insuportável que não consigo mais olhar e pensar que ok, um dia vou me adaptar e lidar de uma forma neutra com isso. Como toda transição, o corpo deve estar preparado para escoriações – e me desprender por completo daquele antigo perfil doador e receptivo tem doído até fisicamente. Essas coisas bem com tempo, e como já dizia Bowie, time may change me, but I can’t trace time. Quem diria, olha lá a máxima do vida que segue fazendo muito sentido.

Ser sozinha pode seguir sendo um conformismo, só espero que em algum momento possa abraçar minha condição pela perspectiva de alguém que se ama. Vamos ver se dou conta.

 

(este post faz um total zero de sentido e pode ser deletado no futuro, mas precisava desabafar)

Lidy com isso! #02 – Dicas rápidas para não deixar a bad tomar conta

Sim, eles chamam isso de coruja
Sim, eles chamam isso de coruja

Dijon, interior da França, que lugar! Lindo, variações inesperadas de mostarda, melhor chocolate, loja de chás fofa… e uma coruja. Uma maldita coruja que se você tocar terá sorte, dizem. Ela me trouxe muito azar, claro, e no meio dessa maré de coisas ruins eu aprendi umas dicas práticas pra não deixar a bad tomar conta. E compartilhei com vocês. Tem até dancinha do foda-se.

Assistam e se inscrevam no canal ❤

Eu e o desapego, parte 1

Pequeno esclarecimento: isto NÃO é um tratado sobre o desapego pleno. Longe de ser um apelo para todo mundo virar uma pedra de gelo que olha feio para qualquer manifestação de apego. A ideia é trazer algumas experiências que me levaram a entender que o desapego, assim como muitas outras coisas nessa vida, pode ter diferentes versões e como isso me ajuda a encarar a vida.

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Era primavera, e ventava nível ter medo de ser levada. Amsterdã é conhecida pelos seus ventos inesquecíveis de intensos, e é óbvio que pulei essa informação antes de escolher a cidade como destino.  Gente teimosa é uma maravilha, então eu só segurava o vestido ou apertava o casaco e encarava as adversidades meteorológicas. Meu amigo chegou e estabelecemos um objetivo bem claro e fácil: beber. Andar sem rumo pela cidade, desbravar por conta dos nossos pés, sem destinos pré-definidos. O combinado era andar o quanto aguentássemos, parando apenas para beber e comer.  Em um dos bares, depois de algumas heinekens, comecei a fazer dancinhas. O lugar estava cheio? Sim. As pessoas olharam estranho? Creio que sim, mas a memória falha. É de praxe fazer dancinhas (da minha parte), mas eram sempre contidas e de preferência na presença de poucos – ou no máximo dois – amigos. E nunca, ever, jamais em locais abertos e abarrotados de desconhecidos.

Só que Amsterdã me libertou. Amsterdã, Berlin, Antuérpia, Bruxelas, Besançon, Paris. E ele, o álcool. Todos tiveram seu quinhão no meu processo de libertação. Precisei do álcool para me soltar, mas até esse tipo de filtro passou a ser dispensável em um dado momento. Então vai ter a mãozinha caindo pro lado ao som de Groove is in the heart sim, no meio do bar. Vai ter movimento estranho que lembra a coreografia de chandelier em público? Vai sim. Porque é bem simples, embora não aparente – ninguém tem nada com isso.

Bem fácil dizer que não estamos nem aí para os outros, alegar indiferença quando no fundo estamos preocupados com essas opiniões. É a preocupação com o cabelo, com a roupa, se a maquiagem tá legal, essas coisas. Existe a clássica desculpa de “ser uma cobrança pessoal”, e há quem realmente não dê a mínima, mas no geral isso nos afeta sim. Principalmente mulheres, que tem aquela obrigação “social” de se comportar e usar roupas ditas decentes (entre tantos outros preconceitos). Com Vodka ou sem Vodka, vamos dar um basta nessa coisa de ser amado por todos. Ser humano que se preze tem defeitos, é normal, tá todo mundo aí aprendendo a lidar com os próprios demônios. Amigos reais vão te amar mesmo fazendo danças estranhas em público, acreditem.

Amigos de verdade reagem assim
Amigos de verdade reagem assim

Gente, partiu dar gritinho de liberdade? Partiu sim. Todo mundo fazendo a dancinha do foda-se.

Desapeguei de olhares estranhos. Se der vontade de fazer danças estranhas em locais públicos, vou. Se der vontade de abraçar meus amigos de forma ridícula no meio do bar, também vou. Conforme vamos “envelhecendo” passamos a entender que repensar atos de aparência boba é pura frescura. Dá pra ser louco sem fazer mal a ninguém. Se você está lá, na sua brisa pessoal, curta, desapegue sem medo. Vamos todos mandar beijos de luz para todo e qualquer olhar de julgamento 🙂

Sejamos todos Tim
Sejamos todos Tim

 

Como lidar: essa decisão maluca de correr

Aqueles relógios digitais espalhados pela cidade de São Paulo são monstruosos. Imagine olhar para um deles e dar de cara com 31 graus piscantes quando você acaba de passar a plaquinha dos 3km sabendo que tem mais 7 pela frente. Correndo. CORRENDO. E o relógio muda da temperatura para o horário: 10:00. Sol a pino e você, trouxa, correndo. Pagou para correr! Poderia estar em casa, dormindo. Aproveitar para acordar mais tarde. Existe sempre um momento em meio à qualquer atividade física em que perguntamos por quê raios deixar de lado a vida sedentária, que é tão cômoda. E é isso: se exercitar sempre vai ser sofrido. Pode ser super prazeroso, mas vai doer em algum momento.

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A 23ª Maratona (de Revezamento) Pão de Açúcar foi uma prova de resistência das mais pesadas. Foi a primeira vez que repensei todo esse rolê de corridas no meio do percurso e pensei em desistir de vez. Largada depois das 9h com o sol queimando a alma, percurso pesado e com sinalização ruim, muita gente (principalmente perdida). Tinha também o lado de estar em equipe, correr com pessoas que me acompanham desde o início e a superação de estar em uma prova atípica em comparação a todas que já havia feito. Depois dessa me inscrevi em pelo menos mais cinco provas, porque coerência é uma coisa que não existe na minha vida.

Comecei em 2013, quando ainda treinava em uma academia perto de casa. Conversei com o Ale Scaringi, meu instrutor na época, e pedi sugestões do que fazer para substituir os exercícios de cardio, porque andava meio cansada das aulas aeróbicas. Ele sugeriu a corrida e me montou uma planilha marota. Para me manter focada, me inscrevi em uma prova feminina de 5k. Fui uma pessoa disciplinada e segui tudo a risca, não matava um dia de treino, maaaas cometi a loucura de aceitar ideia errada. Surgiu a tal maratona de São Paulo, que tinha uma opção de corrida de 10k, e voilà, Lidyanne treinando para fazer 5k terminou “estreando” em uma prova oficial com 10k.

Essa pessoa de short preto com azul sou eu. Na tal prova inicial de 10k
Essa pessoa de short preto com azul sou eu. Na tal prova inicial de 10k

Aí todo mundo entende minha relação maluca e nada coerente com a corrida. O problemão é que correr na rua vicia de um jeito que nem sei bem como explicar. Não me importava em correr na esteira, tendo uma boa playlist (um beijo, beyonça) a gente até consegue esquecer a parede verde enjoativa da academia. Só que na rua era diferente. Você corre observando a cidade, conhecendo melhor lugares por onde sempre passou de ônibus ou carro e nunca reparou bem. Tem paisagem, tem pessoas tão motivadas quanto você. E é lindo.

Também já fui como 90% das pessoas que chegam até mim e dizem “nossa, eu não aguento correr nem para pegar o ônibus”. Pois digo: o máximo que eu conseguia era correr durante 60 segundos na esteira. De repente consegui correr 2 minutos sem parar. E então cinco, dez… até completar 35 minutos correndo sem parar. Lembrando que aconteceu com tempo, não foi de um dia para o outro. É bem importante lembrar que condicionamento muda bastante de pessoa para pessoa. Acontece da pessoa estar bem condicionada devido aos treinos que costuma fazer, acontece da pessoa começar a correr do nada e de cara se dar bem. E também acontece de apanhar para conseguir completar um percurso, e isso é bem comum. Mas as pessoas gostam de se cobrar e/ou arranjar desculpas.

Eu sou meio Matthew Inman, corro para comer. Porque comida é uma paixão muito forte, então a corrida veio como elemento ideal para poder “comer sem culpa” (sim, o dramalhão de peso é conteúdo para outro texto, ME AGUARDEM!). Que fique claro, não faço SÓ por isso. Gosto de correr. Desde que adaptei meu corpo a isso passei a encarar como uma distração. Nunca foi uma escolha para perder peso ou ter uma vida mais saudável. Era algo que por um acaso me ajudava a manter meu peso, só isso. E juro que funciona de um jeito mágico, porque alguns minutos de corrida me ajudam a desligar do mundo enquanto ouço umas músicas toscas e não penso em nada sério. Chegar ao nível máximo de exaustão ajuda a anular pensamentos ruins. Dura só o tempo do percurso? Sim. Faz uma puta diferença da mesma forma. Costumo correr pela manhã, e fazer isso me motiva a encarar um dia inteiro.

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Então se tem uma dica que posso deixar para todos em 2015 é: coloquem correr entra as metas de 2016. Fácil de fazer, maravilhosa para matar as bads, e ainda te ajuda a ser um pouco mais saudável e a ter mais resistência para sobreviver a um dia ruim 🙂

Esclerosada na etapa Alemanha da Série Delta. Um dos meus percursos favoritos de 10k :)
Esclerosada na etapa Alemanha da Série Delta. Um dos meus percursos favoritos de 10k 🙂

(A ideia é fazer um vídeo sobre minha relação com corridas em breve, vamos ver se esse vlog acontece em 2016!)

Eu tô cansada

de respirar. de precisar sair da cama todos os dias. de não ter motivação. de não conseguir esperar nada. de assassinar friamente expectativas. de não ter amor no coração. de não saber o que procurar. de sair todos os dias sem rumo. de dar voltas e voltar ao mesmo local. de encarar o espelho e sentir ódio. de querer e nunca conseguir. de então decidir matar o desejo. de sufocar muito a ponto de nem saber o que se quer. de chorar com a desculpa esfarrapada de que alivia. de beber para abstrair. de não conseguir passar da segunda lata. da dor de estômago. da queimação de nervoso. da rinite sem limites. da vontade de dormir, igualmente sem limites. da vontade de jogar as chaves de casa fora para não precisar mais sair. de não ter satisfações. de me menosprezar. de abobalhar meus progressos mínimos. de dar murro em ponta de faca. das quedas. de bater a cabeça na parede. de acumular calos e escoriações. de ter brincado de destruir bússolas e não ter norte. de não sentir coisas boas. de não sentir meus pulmões enchendo de ar enquanto corro. de não querer sair da água, pois é o único momento possível de desligamento. de não querer sair. de não ser nada. de não querer ser nada. de não ver acontecer. de não acontecer. de insistir sem ter fé alguma.

eu tô cansada.

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Limites da transição

Crédito: Roman Tolici
Crédito: Roman Tolici

I certainly believe we all suffer damage, one way or another. How could we not,except in a world of perfect parents, siblings, neighbours, companions? And then there is the question on which so much depends, of how we react to the damage: whether we admit it or repress it,and how this affects our dealings with others.Some admit the damage, and try to mitigate it;some spend their lives trying to help others who are damaged; and there are those whose main concern is to avoid further damage to themselves, at whatever cost. And those are the ones who are ruthless, and the ones to be careful of [ Julian Barnes – The Sense of an ending ]

Tem dias que minha voz vira um fiapo e é difícil falar sobre qualquer coisa. Seja algo trivial ou sério. O pouco que resta de ruído vai se esvaindo e nessas horas a única forma de materializar a dificuldade é chorando. E você então chora largado e sem ressalvas, porque precisa, faz bem, e por vezes é o único meio possível de sentir uma manifestação de alívio. Tenho aí, contra minha vontade, um paradoxo: ao mesmo tempo que o choro me tranquiliza, o processo todo me dói de um modo MUITO agudo. É como se estivesse deixando exposta toda minha fragilidade, mais ou menos um “toma aí, pronto, dei o braço a torcer e estou desmoronando”.

“we’re concentrated on falling apart”

Existe o desejo de acreditar, ter fé, algum suspiro de esperança. Em contrapartida, quem também está lá, lutando com sua força para sair do buraco, é a especialidade em querer afundar ainda mais. Existe uma pegada meio can’t feel anything, when will I learn? I push it down, I push it down. Quando você se machuca muito passa a duvidar da possibilidade de se ferir ainda mais. Todo ser humano quer ter um lugar, mesmo que ele seja ruim. Mais ou menos como ter uma vontade tão absurda de viajar que você nem se importa em ficar no meio em uma fileira com três poltronas. Ou se jogar em um canto e lá ficar, ainda que não seja o lugar mais confortável do mundo. Mesmo não estando à vontade ou feliz com aquilo, comemore, campeão, você encontrou um lugar.

Às vezes nos contentamos em TER um lugar. Ou rola um conformismo: sabe-se não ser o canto mais apropriado, sabe-se das mazelas de ali permanecer, mas apesar da contradição vem também a sensação de quiçá merecer tudo aquilo. E é bem mais fácil afundar a tentar subir uma escada muito íngreme.

Por esse ponto de vista fica compreensível o desespero latente quando se tenta mudar de posição. Ter perspectiva mexe conosco, não há como negar. Tudo parece tão tentador no fim que, ao ver as coisas rolando tão devagar, parecendo que não vão mudar nunca, desanima. Aí entra e derrocada.

Porque em momentos de dor não pensamos que a sequência da vida não precisa ser linear, nem que o tempo cronológico foi um negócio criado para dar noção ao homem de que ele tem controle de alguma coisa. Pois não temos. E nessas de não controlar tudo desanda mesmo, e isso é humano. Viver é isso: é ter momentos de euforia intensa e, segundos depois, ser afetado por uma informação violenta o suficiente para não conseguir nem sair de casa por dias, pois falta ânimo. Uma montanha-russa dessas bem tecnológicas a malucas, tão poderosa que parece infinita.

Por isso tenho um pouco de aversão ao símbolo do infinito. Ele remete à minha montanha-russa interna, essa coisa desgovernada e com um mecanismo que me parece tão estranho. Nunca senti meu coração tão angustiado, porque quero ter paciência mas o desespero sempre faz questão de despontar nos meus momentos de maior serenidade.

Me encontro sem nenhuma defesa e até por isso a transição provoca tanta dor. Mudar é como ter um corpo estranho te invadindo, e por puro instinto o organismo rejeita em um primeiro momento. Mas aos poucos tomo consciência da necessidade de impor limites e respeitar meu ritmo de transição. Nesses momentos faço o possível para me prender às coisas boas que despontam de tempos em tempos.

Tipo uma citação de Proust, da série Em busca do tempo perdido, que o Caio me mandou em uma de nossas conversas, e com a qual fecho o texto deixando um espaço para reflexão.

“Assim vai mudando o nosso coração, durante a vida, e esta é a pior das dores; porém só a conhecemos atrás da leitura, pela imaginação: na realidade o coração se transforma da mesma maneira como se produzem certos fenômenos da natureza, tão vagarosamente que, embora possamos verificar de modo sucessivo seus estados diferentes, em compensação nos foge a sensação da mudança”

[ Escrito em 21/09/2015 ]

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