Corona Diaries #12 – Experimentando olhares, reinventando saídas

De Edward Hopper

Como transformar o ordinário de dias tão similares em algo extraordinário? Gradualmente o movimento volta ao normal. Ou novo normal, para quem é deste time. Os bares, cafés e restaurantes agora podem acolher o público sem exigir reserva prévia, tanto no terraço quanto do lado de dentro. Os cinemas e museus abriram as portas, espero sujar o novo par de Vans em veludo verde em algum momento desta semana. Ainda tenho percepções desconfortáveis dos arredores. 

Um pouco como animais que se camuflam para se proteger de predadores e deixam só as pálpebras se moverem em ritmo lento, discreto. Um olhar aterrorizado e todavia atento, à espera de algum sinal que passe segurança para dar um passo adiante.

Faço meus desbravamentos de pouco em pouco acanhada, e noto o quanto meus devaneios já não se vestem da mesma forma. Eles perderam o traquejo social, desacostumaram a xeretar a vida alheia e perder horas configurando insanos cenários. Uma hora há de voltar, os músculos foram postos a jogo e apesar da preguiça e do mau jeito vão reaprender a se mover sem tantas amarras.

Ficar enclausurada me fez abrir os olhos para o lado de dentro e criar outro entendimento da base. As incursões ao mundo exterior também foram capturadas, cada uma à sua maneira, para serem degustadas aos poucos no conforto do meu endereço. Hoje mesmo, enquanto girava a maçaneta da porta ao voltar do supermercado, percebi a borracha da campainha desgastada e questionei quantas vezes ela foi pressionada, com que urgência, se foi por carta ou por visita. 

Desde a mudança, virou um portal de inúmeras encomendas, diversos mimos para deixar tudo com nosso toque, e umas tantas inutilidades, pois nossas fugas também ocupam o espaço de um carrinho virtual. Com muita alegria, por conseguinte, me alegrei ao ouvir a caixa de cartas devorar o envelope cujo remetente era Prefeitura – meu convite formal para tomar vacina contra COVID-19. 

Fico tal qual Matilde Campilho escreveu um dia, metade folia, metade desespero. Saber o quanto minha vez na fila estava próxima foi fonte da mais gostosa euforia. E no entanto me atropelo em angústias e despreparo, poisme parece uma possibilidade remota pensar num futuro próximo e esboçar quaisquer planos concretos.

Até lá, vou ceder mais brechas ao meu eu expectador. Deixar ver, montar quebra-cabeças e fazer misturas de dar orgulho a qualquer surrealista. 

Permitir ao mundo que venha até mim. Recuso-me a ir em sua direção, a engajar riscos. 

De mim não parte. Quero sentir como vai se achegar, de que forma vamos combinar nossos passos de dança contemporânea para dar tom extraordinário ao já nem tão ordinário assim.