Corpo em movimento

Em uma realidade pré-pandêmica, os estudos me levaram ao interior da França em setembro de 2017. Cheguei devagar e me dei tempo para resolver burocracias e me instalar antes de começar a criar uma rotina. Não tardaria. Já havia preparado muita coisa antes da mudança, morar e estudar em uma cidade tão pequena te ajuda a criar hábitos com certa rapidez. Em dezembro já me inscrevi na academia mais próxima de casa, queria produzir endorfina o suficiente para não me sentir tão abatida pelo inverno cinza e depressivo de Montbéliard. 

Praticar atividade física faz parte da minha rotina há anos. Tive minhas fases, mas posso afirmar que foi uma constante em minha vida. Academia funcionava para mim, portanto batia o cartão no mínimo três vezes por semana e intercalava cardio com treinos de força. Já treinei desesperada para perder peso ou para compensar um dia de comilança abundante? Claro. Na maior parte do tempo, porém, o exercício físico era um aliado para cuidar da saúde e me sentir mais ativa.  

Até entrar na turma do pessoal das corridas. Peguei gosto pela atividade, pois encontrara enfim um esporte que poderia encaixar no meu cotidiano e que não dependia de equipamentos ou de gente para praticar. Talvez um bom par de tênis demande investimento maior, porém dura tanto tempo que não pesa tanto no bolso. Amava correr pelas ruas de São Paulo, mas se as condições meteorológicas não ajudassem era só substituir o asfalto pela esteira. Era uma atividade prática e acessível, embora viesse com seus contratempos. Correr mais de dois minutos seguidos sem andar não foi intuitivo, exigiu treino e perseverança – todavia isto é assunto para outro momento. 

Minha paixão extrapolou limites e ousei longas distâncias. Completei duas meias maratonas, mas um dos meus joelhos cansou mais rápido que eu e fui forçada a interromper as atividades por um tempo. Imagine uma pessoa que corria três, quatro vezes por semana obrigada a não praticar nenhuma atividade física por um tempo, e tendo como única opção a bicicleta ergométrica ao retomar. Um horror sem fim. 

Este período foi o primeiro semestre de 2017, portanto curei a agonia de não poder correr com a preparação ao mestrado. O ortopedista liberou as corridas pouco antes da minha partida, solicitando apenas que limitasse as distâncias a 10 km. 

Uma senhora quebra de rotina, digamos. Assimilar minha nova realidade não era uma tarefa fácil e a cabeça estava quente demais para cogitar voltar ao meu ritmo de outrora em São Paulo. Durante todo o período em Montbéliard, um ano e seis meses, tive constância nos treinos. Caminhava meia hora diariamente para ir até à faculdade e repetia o processo na volta, o corpo estava em movimento. Já não podemos fazer tantos elogios à minha alimentação. Usufruí com classe dos meus últimos anos de metabolismo eficaz, comendo muitas baguetes e quiches, me permitindo kebabs e docinhos de vez em sempre. 

Até me mudar para Annecy, onde realizei meu estágio, etapa final do mestrado. Morava em um apartamento de 18 m2, sem academias por perto, e deveras fragilizada emocionalmente. A paisagem me convidava a praticar exercício ao ar livre, mas minha cabeça andava tão desgraçada que não sobrava disposição. Após muitas frustrações, encontrei meu namorado, uma luz no fim do túnel. Nossos encontros foram permeados por muita bebida e comidas nadas saudáveis. Em resumo, foi um ano inteiro de puro sedentarismo e comendo sem nenhum filtro. Não limito contra nem a favor certas categorias de comida, uma de minhas atividades favoritas É comer. Entretanto, naquele período consumia com frequência tudo que até então era exceção. 

Ao me instalar na Holanda, poucos meses antes da pandemia eclodir, deixei o bonde andar. Sucumbi sem hesitar, sobretudo ante o confinamento e todas as incertezas proporcionadas pela pandemia. Levei um ano inteiro para cogitar mudar o cenário, e só após conseguir um emprego fui atrás de uma nutricionista e alguns treinos para fazer em casa. Comecei a trajetória em março, quando me comprometi a me exercitar diariamente. Queria manter o meu corpo em movimento, e para tornar minha missão possível intercalei treinos mais intensos com alongamentos. Para este segundo ano de pandemia, digo com segurança que o esporte me salvou. Se não fosse minha produção diária de endorfina, não daria conta da rotina. 

Me tornei a adulta que se levanta diariamente às 6 da manhã para fazer exercício. Só funcionou porque se tornou meu momento. São 30 – 40 minutos que tenho comigo, onde a sensação de estar me cuidando prevalece. Me provocou um bem tão absurdo que hoje em dia já acordo antes do despertador, animada pelo treino do dia. Sentimento que nunca experimentei, mesmo nos meus três anos de amor constante pela corrida. 

Nesta manhã, no entanto, foi um desses dias onde o corpo esteve muito próximo de pedir arrego. Desde o início do acompanhamento com a nutricionista dei vários furos, nada mais normal para quem experimenta um paciente período de readaptação. O exercício exigiu pausas quando recebemos visitas e tivemos imprevistos, portanto os resultados seguem preguiçosos. Agora sou uma mulher de trinta anos com metabolismo preguiçoso, e uma das maiores vantagens da idade é respeitar meu ritmo e aceitar que os resultados não surgem do dia para noite, e que isso não é — e nem deve — ser o fim do mundo. 

2021 foi um imenso salto de fé no meu cuidado físico. Amo o processo de me cuidar, reaprender sobre meus limites e o que me faz bem. Construir o entendimento de que em alguns dias só sairá na força do ódio, conforme aconteceu hoje, e em outros trocarei o tapete de exercícios pelo sofá.

Registro suado pós corrida, quando voltei a correr no meio do ano ♥️

Como lidar: essa decisão maluca de correr

Aqueles relógios digitais espalhados pela cidade de São Paulo são monstruosos. Imagine olhar para um deles e dar de cara com 31 graus piscantes quando você acaba de passar a plaquinha dos 3km sabendo que tem mais 7 pela frente. Correndo. CORRENDO. E o relógio muda da temperatura para o horário: 10:00. Sol a pino e você, trouxa, correndo. Pagou para correr! Poderia estar em casa, dormindo. Aproveitar para acordar mais tarde. Existe sempre um momento em meio à qualquer atividade física em que perguntamos por quê raios deixar de lado a vida sedentária, que é tão cômoda. E é isso: se exercitar sempre vai ser sofrido. Pode ser super prazeroso, mas vai doer em algum momento.

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A 23ª Maratona (de Revezamento) Pão de Açúcar foi uma prova de resistência das mais pesadas. Foi a primeira vez que repensei todo esse rolê de corridas no meio do percurso e pensei em desistir de vez. Largada depois das 9h com o sol queimando a alma, percurso pesado e com sinalização ruim, muita gente (principalmente perdida). Tinha também o lado de estar em equipe, correr com pessoas que me acompanham desde o início e a superação de estar em uma prova atípica em comparação a todas que já havia feito. Depois dessa me inscrevi em pelo menos mais cinco provas, porque coerência é uma coisa que não existe na minha vida.

Comecei em 2013, quando ainda treinava em uma academia perto de casa. Conversei com o Ale Scaringi, meu instrutor na época, e pedi sugestões do que fazer para substituir os exercícios de cardio, porque andava meio cansada das aulas aeróbicas. Ele sugeriu a corrida e me montou uma planilha marota. Para me manter focada, me inscrevi em uma prova feminina de 5k. Fui uma pessoa disciplinada e segui tudo a risca, não matava um dia de treino, maaaas cometi a loucura de aceitar ideia errada. Surgiu a tal maratona de São Paulo, que tinha uma opção de corrida de 10k, e voilà, Lidyanne treinando para fazer 5k terminou “estreando” em uma prova oficial com 10k.

Essa pessoa de short preto com azul sou eu. Na tal prova inicial de 10k
Essa pessoa de short preto com azul sou eu. Na tal prova inicial de 10k

Aí todo mundo entende minha relação maluca e nada coerente com a corrida. O problemão é que correr na rua vicia de um jeito que nem sei bem como explicar. Não me importava em correr na esteira, tendo uma boa playlist (um beijo, beyonça) a gente até consegue esquecer a parede verde enjoativa da academia. Só que na rua era diferente. Você corre observando a cidade, conhecendo melhor lugares por onde sempre passou de ônibus ou carro e nunca reparou bem. Tem paisagem, tem pessoas tão motivadas quanto você. E é lindo.

Também já fui como 90% das pessoas que chegam até mim e dizem “nossa, eu não aguento correr nem para pegar o ônibus”. Pois digo: o máximo que eu conseguia era correr durante 60 segundos na esteira. De repente consegui correr 2 minutos sem parar. E então cinco, dez… até completar 35 minutos correndo sem parar. Lembrando que aconteceu com tempo, não foi de um dia para o outro. É bem importante lembrar que condicionamento muda bastante de pessoa para pessoa. Acontece da pessoa estar bem condicionada devido aos treinos que costuma fazer, acontece da pessoa começar a correr do nada e de cara se dar bem. E também acontece de apanhar para conseguir completar um percurso, e isso é bem comum. Mas as pessoas gostam de se cobrar e/ou arranjar desculpas.

Eu sou meio Matthew Inman, corro para comer. Porque comida é uma paixão muito forte, então a corrida veio como elemento ideal para poder “comer sem culpa” (sim, o dramalhão de peso é conteúdo para outro texto, ME AGUARDEM!). Que fique claro, não faço SÓ por isso. Gosto de correr. Desde que adaptei meu corpo a isso passei a encarar como uma distração. Nunca foi uma escolha para perder peso ou ter uma vida mais saudável. Era algo que por um acaso me ajudava a manter meu peso, só isso. E juro que funciona de um jeito mágico, porque alguns minutos de corrida me ajudam a desligar do mundo enquanto ouço umas músicas toscas e não penso em nada sério. Chegar ao nível máximo de exaustão ajuda a anular pensamentos ruins. Dura só o tempo do percurso? Sim. Faz uma puta diferença da mesma forma. Costumo correr pela manhã, e fazer isso me motiva a encarar um dia inteiro.

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Então se tem uma dica que posso deixar para todos em 2015 é: coloquem correr entra as metas de 2016. Fácil de fazer, maravilhosa para matar as bads, e ainda te ajuda a ser um pouco mais saudável e a ter mais resistência para sobreviver a um dia ruim 🙂

Esclerosada na etapa Alemanha da Série Delta. Um dos meus percursos favoritos de 10k :)
Esclerosada na etapa Alemanha da Série Delta. Um dos meus percursos favoritos de 10k 🙂

(A ideia é fazer um vídeo sobre minha relação com corridas em breve, vamos ver se esse vlog acontece em 2016!)