Quando fui assistir Jojo Rabbit no Pathé Buitenhof, um de meus endereços favoritos em Den Haag, me impressionou a quantidade de pessoas nas ruas. O tempo honra a imprevisibilidade na Holanda, portanto nossa garantia de um dia ensolarado em um fevereiro invernal era quase nula. Estacionei a bicicleta na frente do cinema um pouco em cima da hora, mas ainda em tempo para comprar pipoca e me instalar na sala. Estava com um casal de amigos, e copiamos os locais ao fim da sessão. Encontramos um terraço com mesas livres e nos instalamos para tomar um café e tirar proveito desta figura tão ausente, o sol.
Foi em fevereiro de 2020, quando a pandemia ainda era uma ameaça e não parecia tão séria.
Comentei, na ocasião, que era curioso ver o quanto os holandeses se desdobram para aproveitar um dia de céu limpo. Pareceu exagero quando visitei o país sem ter a menor ideia que um dia o chamaria de lar. Porém bastou um par de meses para capturar cenas incríveis e entender como ninguém o desespero por um mínimo filete de sol.
Ao longo do inverno, independente dos termômetros marcando temperaturas nada amenas, se o sol faz uma aparição surpresa, todos correm para as ruas. As pessoas preparam lanches para comer nos parques e florestas, o pessoal dos esportes vai até as dunas pedalar com os gambitos de fora, os terraços tornam-se disputadíssimos. Em Den Haag, onde moro, há mesmo quem arrisque jogar a canga sobre a areia e curtir o sol na praia.
Vacinada e após quase dois anos apreciando as raras aparições do sol no terraço de casa, hoje faço tal qual os locais. Qualquer dia com o sol no talo é deixa para caminhar no bosque próximo daqui, ou me sentar em algum terraço para tomar café e sentir o calor solar tocar meu rosto.
Minha sorte é ter meu primeiro domingo de folga em meses justo em um dia outonal de beleza tão complexa em ser descrita.
Hoje minhas irritações também descansaram. Viajei nos delírios de Escher, quase dois depois de adiar minha visita ao museu no Het Paleis, tomei mimosa às três da tarde, caminhei nas imediações do nosso antigo endereço até os pés pedirem arrego. Observei a vida acontecer e me senti ligeiramente mais próxima dos locais por compartilhar do sentimento de coração cheio ante uma natureza tão serena e sem precipitações.
Se perdi o sono neste início de domingo, já nem me lembro mais.
