Lidy com isso! #22 – Sou uma pessoa horrível

(Publicado em 15 de Janeiro de 2019 na plataforma TinyLetter)

Com a mesma facilidade que solto uma gostosa gargalhada, perambulo com cara de bunda. Demoro meses para responder mensagens, quando respondo. Não costumo correr atrás, procuro cada vez menos – mas até chegar a este ponto insisto muito quando gosto da pessoa. A ponto de ser chata. Sou desorganizada e um tanto irresponsável, deixo tudo para a última hora e depois choro de nervoso porque sei que não vou dar conta de terminar de um dia para o outro. Na mesma medida detesto pedir ajuda, mas também só apelo em casos extremos, na última hora, dando brecha para surtarem comigo. Deixo tarefas se acumularem – com uma frequência nojenta. Começo quatro atividades ao mesmo tempo e com sorte termino pelo menos uma delas. Xingo muito e mesmo sem ter intenção sou grossa. Como chocolate todos os dias, me alimento mal, bebo vinho e cerveja com frequência pois tenho necessidade de me presentear um pouco em meio a tanto caos, e depois fico me lamuriando porque minha pele está um lixo. Não fico me fazendo de tonta quando sinto raiva ou indignação – expresso. Reclamo com constância, embora não sinta o menor orgulho disso, e inclusive das merdas que eu mesma provoquei. E não, não faço nada para melhorar. Sou uma pessoa horrível. 

Isso não é uma tentativa de fazer pena, tampouco de implorar para que você me diga que todo ser humano tem defeitos e que não sou tão horrível assim. Mas parte do processo de mudança consiste em identificar o problema e encontrar sua causa para eventualmente trabalhar uma solução. Para ter sucesso nesta missão me despi, fiquei vulnerável em uma escala que me pareceu insuportável, mas me permitiu ver com clareza. Os defeitos estão todos aí, assumo, e agora é preciso partir para a segunda etapa que consiste em decidir o que fazer deles. 

No começo da noite do dia 31 de dezembro uma garota tirou cartas para mim e, por mais cética que eu procure ser, ri da ironia dos resultados. Foi incrível virar as duas primeiras cartas e me deparar com “Proteção” e “Escrita”. 2019 chegou dali algumas horas com pelo menos 4 tipos de álcoois festando no meu sangue, explorando todo o meu potencial vocal ao entoar We are the champions (duas pessoas acompanharam), dançando, batendo boca com um dos meninos que tentou criticar o feminismo e ouvindo uma menina que chorava seus relacionamentos frustrados. Abracei o modo inconsequente: eu, que nunca fui de festa de fim de ano, viajei para participar de uma e fiz questão de validar toda a minha irresponsabilidade. Essa mesma, venho alimentando com tamanha intensidade nos últimos meses. Fui dormir por volta das 5 da manhã, com o mesmo vestido e a mesma meia-calça que usei no início da noite e com toda a maquiagem na cara. Acordei jurando que nunca mais beberia e nem seria tão agressiva comigo mesma, desejando comer qualquer porcaria do McDonalds (se você é novo por aqui, vale acrescentar que detesto McDonalds) e contando os segundos para o reencontro com a minha cama, que aconteceria dali umas tantas horas. Não serviu de lição. Uma semana depois estava tentando derrubar tampinhas posicionadas nas garrafas de cerveja de dois amigos, sentados no chão do apartamento de um deles, rindo das piadas idiotas que contávamos, trocando histórias, ouvindo música, assistindo Kamelott, comendo tacos de 1kg, bebendo e fumando como se não fosse uma terça-feira e as minhas aulas não tivessem voltado no dia anterior. 

Meu corpo vive dando sinais de fadiga, protesta o quanto pode – no aspecto físico e no psicológico. Levei tempo até entender essa lógica e aceitar que era sádica, que me submetia a todas essas torturas porque no fundo gostava de passar raiva. Como se precisasse deste “gás” para abandonar meu estado catatônico e enfim fazer algo produtivo, qualquer pequena ação positiva que sirva para cumprir uma tarefa ou obter alguma realização pessoal positiva. Até posso atribuir a falta de motivação ao meu relacionamento duradouro com a letargia, mas a justificativa é um tanto cômoda, quiçá rasa, e para piorar, sou muito fã de soluções extremas. Daí tem aquela frase que encontrei perdida em alguma rede social: « Sí, todo pasa. Pero primero te atropella ». E porquê raios insisto em atravessar a rua se vejo que o sinal está fechado para pedestres? Porquê dou tanta brecha para ser atropelada, não tomo precauções e nem tento agir para que tudo passe sem me causar tantos danos?

As tentativas de mudança são assustadoras – me fazem suar frio, tremer, sentir tontura, escrever uma carta porque não tenho conseguido me concentrar para cuidar das pendências da universidade ou organizar minha mudança. A cabeça vive cheia de pesadelos, durmo mal, por vezes não prego os olhos. E portanto nunca me mentiram. Pelo contrário: cansaram de me dizer que transições doem. Os livros, as músicas, os filmes, a família, os amigos. É duro quebrar essas cascas e ainda sair com pose de Mulher Forte. 

Cobranças fazem parte, claro, de uma luta pessoal. Nem entro em detalhes sobre o impacto que pode causar nos outros. É esse, inclusive, o grande desafio destes quase quatro anos de psicoterapia: como parar de se pautar na opinião do outro e livrar-se dela. Ninguém quer ferir de propósito (eu sei, há exceções, o mundo é feito de loucos), tenho conhecimento disso, mas por que passo tanto tempo pensando no que fiz para o outro ou tentando entender porquê ele reagiu de forma X? A gente não sabe (e nem tem como saber) o que o outro sente, nós nunca vamos conhecer uma pessoa por completo, então por que raios questiono tanto como a pessoa vai responder a uma queixa ou a um elogio meu? E por que passo tanto tempo remoendo relações frustradas, tentando entender o que aconteceu e onde foi que errei? Isso não é uma desculpa pra sair por aí jogando minhas culpas nas costas dos outros, mas para repensar essa lógica maluca que construí e cuido com tanto afinco. Por que, afinal, a culpa seria necessariamente minha? Por que não adotar outra perspectiva e entender que é um simples caso de desinteresse que pode me servir de brecha para deixar um relacionamento específico ter seu fim e enfim seguir adiante?

Desde a virada do ano tenho me analisado com insistência e tentado destrinchar todas essas características ditas ruins. Escolher o que precisa ir embora e o que deve ficar. Estudar este dossiê é custoso e faço sem nem saber se terei uma gratificação no final. Me perdi tantas vezes nessa busca, não sei mais te dizer como construí uma personalidade tão horrível, tampouco consigo precisar o quanto é difícil achar motivos para transformá-la em algo bom. E nem sou lá muito exigente, só busco algo menos nocivo e mais pacífico. Progredi em tantos aspectos nos últimos três anos que chega a dar desgosto quando vejo tanta coisa ruim se acumulando aqui dentro. Não há método Marie Kondo que dê conta de organizar essa bagunça que só eu conheço tão bem e pela qual pareço ter criado certo afeto, dada a dificuldade em colocar a mão na massa para tentar dar nome, etiquetar, organizar, dar ordem, deixar apresentável. 

Depois de muitas sessões de terapia entendi a necessidade de inverter a lógica. Olhar para dentro, entender o que ME incomoda. Soa egoísta, mas não passa de uma necessidade de se conhecer de verdade. Permitir-me uma investigação que diz respeito apenas a mim. Resolver-me comigo antes de me colocar ao lado dos outros no mundo. Honrando a fluidez das coisas por uma perspectiva positiva: nada é estático, nada precisa ficar, e muitas vezes a solução repousa nesses momentos em que deixo ir, quando me fecho numa bolha e afundo no barulho exclusivo dos meus pensamentos. 

Pegando emprestadas as palavras de Cartola e fazendo uma leve adaptação, deixo-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar. É tempo de respeitar minha necessidade de matar, enterrar e viver o luto do que precisa morrer e ressignificar o que fica.


Andanças #7 

Se você acabou de chegar por aqui e não faz ideia do que raios são essas andanças, explico: é meu saudoso lado #blogueirinha falando mais alto. Listo as coisas que li, assisti, ouvi e senti entre uma newsletter e outra. É uma forma de brincar de diário como fazia outrora, nos tempos de blog, e de quebra passar algumas dicas legais. Tire os sapatos, pegue um café (ou um chá), encontre um cantinho confortável e venha comigo! 🙂

Eighth Grade (2018)
 

Tô assistindoYou teve um impacto tão negativo em mim que decidi dar um tempo das séries. Entendi o objetivo da série, sei que o estilo debochado foi pensado de propósito e mesmo com todas as ótimas referências que aparecem em momentos precisos da narrativa, não me desceu. Consigo sentir nesses detalhes o quanto os algoritmos trabalham para manipular nós, espectadores tolos, a maratonear e alimentar a necessidade da Netflix de ter números cada vez mais expressivos para esfregar na cara de quem ainda não se rendeu ao serviço. As séries são cada vez mais vazias, parece uma produção em massa completamente sem sentido. Recomendo o vídeo da Carol Moreira analisando a série, que gostou de You e pode te dar outra perspectiva. 

Kayla ❤ 

Durante esta pausa decidi remediar uma das minhas maiores falhas em 2018: o abandono dos filmes. Comecei 2019 com Eighth Grade, de Bo Burnham, um retrato perfeito do grande inferno que é ser adolescente e uma deixa para repensarmos nossa relação com as redes sociais. Os dois pontos caminham juntos, afinal: a geração atual tem crescido neste contexto, como se estivessem presos neste grande reality show sem roteiro que é a internet. Seguindo o tema desta newsletter, é um exemplo perfeito do quanto transições podem ser doloridas. Kayla é uma jovem estudante que encerra seu último ano do Ensino Fundamental. Todas as inseguranças típicas desta fase aparecem na personagem e parecem ainda mais em evidência nos tempos atuais. Deu a sensação de que as redes sociais potencializaram tudo que já nos era muito sensível e, cada vez mais, tem « formado » jovens que sentem necessidade em reportar cada atividade de suas vidas online e receiam mostrar o menor traço de insatisfação. Afinal, se for para se expor, que seja para mostrar o quão perfeita é a sua vida e quanto você transpira positividade nas suas fotos e posts. Bref, é assunto que rende uma nova cartinha.

Wildlife (2018)

Prefiro não entrar em detalhes sobre The Wife, de Björn Runge, pois quanto menos você souber sobre a história antes de assistir, melhor. Uma performance impecável de Glenn Close, que sustenta o filme do início ao fim. Por fim assisti o primeiro longa de Paul Dano, Wildlife, que eu provavelmente assistiria anyway por motivos de Jake Gyllenhaal e Carey Mulligan. Não se passa muita coisa na história, mas a fotografia é linda e o filme possui um excelente trabalho de construção de personagens. Gostei muito. 

Tô lendo: Meu ritmo de leitura está devagar quase parando por motivos de trabalho de conclusão de curso. Procrastinei escrevendo esta carta no meio de uma crise de ansiedade, mas na maior parte do tempo tenho lido referências e preparado conteúdo para a universidade. Não sobra tempo para os meus livros, mas comecei Pedro Páramo, de Juan Rulfo, e a HQ I’m every woman, de Liv Strömquist (a autora de outra HQ fantástica, « A origem do mundo »). Conto mais sobre ambos na próxima edição!

Tô ouvindo: A playlist não poderia estar mais eclética. Tenho oscilado entre Lykke LiDuda BeatAnderson .Paak e Radiohead, minha trilha sonora oficial da mudança. Assim como eu, ela não tem coerência alguma (e nem procura ter). Cogitei fazer uma playlist, mas não quero assustar meus poucos leitores. Desta lista a única « novidade » foi Duda Beat, que conheci no fim de dezembro por indicação da Katarina Holanda (que tem um blog MARAVILHOSO, fica a dica de leitura) e não consigo parar de ouvir. 

Tô visitando: A universidade, caro leitor(a). A universidade, o Château onde trabalho aos fins de semana, minha casa. É fase de encaixotar tudo e me preparar para uma nova etapa, o que não tem deixado brecha para passeios. Abri uma exceção na virada do ano, quando fui passar o ano novo na região da Lorraine com uma amiga e aproveitei para visitar Metz. A cidade é um charme, cheia de bares e restaurantes convidativos (recomendo o brunch do Fox Coffee) e ainda tem um café cheio de gatos

Tô sentindo: Como mencionei anteriormente, estou de mudança por motivos de estágio e tenho sentido tudo que foi descrito no texto que abre esta carta. Tudo muito confuso, pesado e complexo, porém seguimos, não é mesmo? Pois bem, it all works somehow in the end, sei que as coisas vão se arranjar e esses sentimentos ruins logo menos vão poder tirar férias (ou ir embora de vez, que assim seja, amém haha). 


Espero que 2019 tenha sido bondoso com você nestes primeiros dias, e que continue assim. Sou uma pessoa ruim mas isso não me impede de desejar coisas boas ao próximo, veja bem. Para mim chegou a hora de pegar estrada e nesses momentos fica difícil mesmo se soltar, então essa cartinha pode ter soado meio seca. Coisas da vida. Mas escrever alivia, então agradeço a você pela leitura e pelo apoio, mesmo que seja de longe ❤


Tá difícil de lidar? Nós podemos continuar a conversa sobre o tema da news (ou sobre outras trivialidades), basta responder este e-mail. Você também pode me dar um alô nas redes sociais 🙂

Twitter | Instagram | Facebook

Deixe um comentário