Lidy com isso! #17 – I’m so embarassed, I’m not a really person yet

(Publicado em 02 de Abril de 2018 na plataforma TinyLetter)

Quando assisti Frances Ha pela primeira vez o que mais me cativou foi o discurso da protagonista durante um jantar. Era, afinal, um filme sobre o quão importante são as amizades para a nossa formação enquanto pessoa, algo mais intenso e valoroso do que qualquer envolvimento amoroso que possamos ter nesta vida (recomendo a leitura deste texto sobre o tema). Com amizades estáveis e depositando minha confiança à torto em todas as pessoas que encontrava pela frente na época, foi a mensagem que falou mais alto. Recém-formada e contratada há pouco mais de um ano, crente que havia me encontrado, passei batido por outro ponto importante da história: como é ter uma paixão e batalhar por ela também no campo profissional?

Não sei você, mas do alto dos meus quase 27 anos digo com segurança que minha voz segue perdida. Dez anos atrás, quando o Ensino Médio me fez engolir a decisão de um futuro profissional, abracei minha insegurança e optei pelo jornalismo. Na época justificava a escolha com o hábito de ler revistas demais desde pequena e uma paixão por ouvir e contar histórias. Um modo de refazer a realidade com um toque de ficção – a escrita era o meu negócio. Segui fiel à minha narrativa até a metade do curso, quando percebi que havia perdido o brilho no olhar e estava frustrada demais com tudo que andava presenciando. Me dava agonia ao pensar que logo menos precisaria encontrar formas de contar ao mundo que vivemos no meio do caos e não temos para onde correr. Assim como a nossa realidade era assustadora demais para ser contada nas páginas do jornal, vi muita gente sem competência ostentando vagas importantes e tive ali meu primeiro contato com a tal da “injustiça profissional”. A inocência adolescente não estava apta a entender o quanto a vida adulta poderia ser dura e mais triste do que uma mera frustração no trabalho. 

No fim do terceiro ano fiz o que seria minha última tentativa com redações. Me desloquei e me desgastei tantas vezes em um único mês que me faltam palavras para descrever o quanto foi aflitivo e exaustivo. Concorri com pessoas que, embora tivessem a mesma idade (na época era algo entre 20 e 22 anos), já tinham pelo menos três intercâmbios nas costas e três anos de experiência, mesmo que fosse um mero “acúmulo de estágios”. Ninguém perde tempo e este é o certo. Todos correram atrás desde o início da faculdade. Eu, por outro lado, passei meu primeiro ano na universidade vendendo cupcakes. Não consegui um estágio em Campo Grande e passei a fazer bolinhos para ter alguma renda. Quando me mudei para São Paulo peguei o bondinho “Jornalismo Cásper Líbero 2009/2012” andando e ainda estava incerta sobre a minha escolha. Foram dois choques: minha futura profissão dançando na minha cara e todo aquele deslumbre da cidade grande e sua oferta tentadora de cinemas de rua a cada esquina. Nem deveria justificar minha procrastinação enquanto estudante, mas bem, se até então não confiava muito no meu potencial, naquele processo seletivo caí por terra. Me senti um nada. 

Na época trabalhava com assessoria de imprensa na Secretaria de Cultura do município e ao longo dos anos entendi que o meu negócio, na verdade, era comunicação. Me cativava mais o processo, o meio de campo, e não a comunicação final. Ainda gostava de escrever, mas meu contato com este campo se limitou a algumas reportagens e artigos freelancer. Não vivi o cotidiano das redações, nunca mais procurei, e sendo bem sincera, perdi o interesse. A parte boa da frustração é que você se reinventa, descobre outras aptidões e aos poucos consegue se posicionar. Passados sete anos no mercado de trabalho, me sinto confortável com tudo que envolve fazer a ponte. Escrevo artigos e releases com facilidade pois bem, não envolve falar com ninguém. Não preciso e apropriar dos contos alheios e achar forma de transmiti-los. Não conto mais histórias à moda antiga. Tento despertar a vontade dos outros em criar suas histórias a partir dos eventos que divulgo. Ou me limito a trazer informações. Porque no ápice do desespero você se descobre capaz de fazer artigos otimizados listando dez dicas essenciais para ter sucesso no novo emprego e coisas do tipo – que você não acredita, mas bem, trabalhar o convencimento é uma arte.

Enquanto preparava o dossiê de candidatura para o mestrado tive vários momentos para repensar minhas escolhas e, na época, praguejei e considerei todas ruins e precipitadas. Sabe quando você coloca na cabeça que acabou se vendendo e perdeu toda sua credibilidade só porque aceitou trabalhos nos quais nunca acreditou? Tinha essa premência tão forte de mudar de área e terminei fechando os meus olhos para os pormenores do processo. No momento da minha última entrevista para o mestrado tive uma espécie de insight e ele me mostrou o quanto fui negligente com a trajetória. Vamos encontrar muitas coisas que nos fazem torcer o nariz no meio do caminho, é fato, e nossa missão neste mundo é pegar A Coisa Ruim, transformá-la n’A Coisa Suportável e tentar tirar dela algum aprendizado. Se aplica a outras tantas instâncias da vida, aliás.

Diversos fatores podem nos levar à fuga, todos eles embebidos em medo. Assisti Columbus pouco antes de rever Frances Ha e ambos falam sobre a descoberta e o processo. Em Columbus temos uma protagonista que evita ir fundo em sua paixão e teme deixar a mãe sozinha caso precise ir embora para correr atrás de um sonho. Em Frances Ha temos uma moça apaixonada pela dança, mas com sérias dificuldades em acreditar na sua vocação e aceitar que os caminhos são mais tortuosos e cansativos do que imaginamos. 

Levamos rasteiras de todos os lados, mas um dos mais pesados – e descoberta recente – é a culpa burguesa, excelente conceito da Clara Browne que me foi apresentado por Anna Vitória. Sabe a decisão aparentemente maluca de abandonar sua carreira de contabilista para virar redatora? A vontade de largar seu emprego para fazer pesquisa? De transformar cinema em objeto de estudo? Isso é privilégio. Ao mesmo é assim aos olhos de muita gente: se você pode “se dar o luxo” de viver de cultura e arte, não possui o direito de se queixar durante as muitas recaídas que envolvem tomar decisões profissionais de tamanha envergadura. Vou mais fundo na questão: o fato de ser privilegiada não te permite sentir e reagir ao mundo como qualquer outro ser humano? As coisas precisam de fato ser tão preto no branco? Por que não nos é permitido encontrar um meio termo, certo equilíbrio?

E se somos este amontoado de Sentimentos & Sensações, ninguém pensa no além-mar, caro leitor. Não basta ter um desgraçamento mental sobre seu futuro profissional, existe um pano de fundo chamado vida e ele envolve: família (por vezes no plural), amigos, amores frustrados, o ônibus que não chega nunca, a conta de gás, o aluguel, o condomínio, a sua cachorra vomitando às 5h da manhã, aquele bar adiado tantas vezes, o problema de encanamento no banheiro, esse país novo que não facilita conexões, essa gente fechada, essa sequência infinita chuvas e nuvens carregadas, a enchente que te obriga a passar mais uma horas fechada em casa ou no escritório, a casa que não vê uma vassoura há semanas, a gastrite atacada, sua bicicleta juntando teia de aranha no depósito. É tão gostoso atirar pedras na pontinha do iceberg, até esquecemos que existe todo uma estrutura escondida pela água. 

Gerenciar essa coisa maluca que é estar viva não é nada fácil, e talvez encontrar na paixão uma forma de pagar as contas seja a nossa forma de tornar a existência um pouco mais leve e bonita. E se há tanta coisa que amamos, que nos encantam e gostamos de fazer, por que não escolher uma delas e transformar em ganha pão?

No fim de fevereiro retomei a terapia. Desde então revi Frances Ha algumas vezes, ouvi Modern Love outras tantas e parti em um processo de escavação para achar minha voz. Minha analista tem seus momentos agressivos, mas até agora me deu algumas missões interessantes. O processo todo tem sido interessante – me afetou bastante, como não poderia deixar de ser, mas é surreal pensar que mesmo ficando tão exposta e vulnerável, me sinto a cada dia mais forte por conseguir mexer na ferida sem medo do que as pessoas podem pensar. Vai ter sempre alguém para dizer “ó, isso é nojento demais, você deveria ter vergonha”. Mas cá entre nós, é impossível descobrir qualquer coisa que seja sem fazer um pouco de sujeira e sentir um pouco de for. Tem remédio pra rinite e uns tantos materiais de limpeza pra dar conta da bagunça mais tarde.

“Estava olhando as coisas que não se podem dizer. (…)
Mesmo o erro era uma descoberta. errar fazia-a encontrar a outra face dos objetos e tocar-lhes o lado empoeirado.” – A Cidade Sitiada, de Clarice Lispector


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Andanças #3

Se você acabou de chegar por aqui e não faz ideia do que raios são essas andanças, explico: é meu saudosos lado #blogueirinha falando mais alto. Listo as coisas que li, assisti, ouvi e senti entre uma newsletter e outra. É uma forma de brincar de diário como fazia outrora, nos tempos de blog, e de quebra passar algumas dicas legais. Tire os sapatos, pegue um café, encontre o cantinho mais confortável e venha comigo! 🙂

Tô assistindo: O Mestrado voltou na voadora e com ele foi embora minha capacidade de parar e assistir coisas como uma pessoa normal. Abandonei um pouco as séries, só assisti à segunda temporada de Jessica Jones – demorei um mês para acabar e bom, não gostei. Talvez esteja em uma fase meio exigente. Porém precisava prestigiar Call me by your name, de Luca Guadagnino, e Lady Bird, de nossa rainha Greta Gerwig nos cinemas, então cometi o crime do filme repetido por puro capricho. Foi maravilhoso, um beijo pra Lidyanne do passado por uma decisão tão sábia. Valorizei a existência de Paul Thomas Anderson e apreciei o belo momento de Phantom Thread no único cinema de Montbéliard. Foi lindo. Revi Frances Ha, como deu para perceber pelo longo textão. Prestigiei o cinema nacional com As boas maneiras, mil desculpas para a galera das artes, não gostei. Peço desculpas também pelo absurdo de não mencionar Columbusde Kogonada, e Paterson, de Jim Jarmusch. Assisti antes da última newsletter e não escrevi sobre eles, uma vergonha. Por sorte ambos se encaixam muito bem no tema desta news: com abordagens distintas, eles também falam sobre esse processo de descoberta do que nos move e nos faz seguir adiante.

Tô lendo: Neste meio tempo li A Cidade Sitiada, de Clarice Lispector, e O Amor dos Homens Avulsos, do Victor Heringer, porém fiquei abalada demais emocionalmente para falar sobre ambos aqui. 

Tô ouvindo: Um dia bateu curiosidade e coloquei PRIDE., do Kendrick Lamar no Spotify e ela começa com um bonito tapa na casa: love’s gonna get you killed but pride is gonna be the death of you and you and me. Não gosto de hip-hop, mas esta frase me pegou de jeito e me puxou para o resto da canção de um jeito. Também fiquei com recalque das pessoas que foram ao show do Depeche Mode e desenterrei minhas favoritas nos últimos dias. Ben Howard também me deu muita força no último mês e oscilei entre momentos Depth over distance e The Wolves. Tenho alguma coisa com músicas com lobos no título, deve ser uma sina.

Tô visitando: Estive em Londres no fim de fevereiro e foi muito bonito ver o quanto a viagem tratou bem meu coração, mas não soube ter o mesmo trato com o meu cérebro. Que lugar incrível, que energia boa. Precisava daqueles cinco dias para restaurar um pouquinho a minha fé na humanidade e lembrar do quanto gosto da possibilidade de me deslocar de tempos em tempos. Foi bonito demais. Também tirei um fim de semana para conhecer Strasbourg. Fez muito frio e não aproveitei quando gostaria, mas deu para ver que a cidade é um charme. A energia de lá também foi incrível, e mesmo estando cansada depois de um mês inteiro trabalhando todos os fins de semana, me encantei com cada cantinho visitado. Quando vierem à França, pensem em incluir Strasbourg no roteiro. 

Tô sentindo: Estou uma bela de uma pilha de nervos com o fim do ano letivo. Muita coisa para entregar, pouco tempo, professores malucos inventando trabalhos de última hora. Pois bem, ninguém mentiu quando disse que fazer uma pós-graduação era insano e difícil. Mas a gente sempre dá conta. E daqui uma semana vou passar alguns dias no Brasil e só eu sei o quão necessária vai ser essa pausa e esse intensivão de afeto. Estou empolgada para recarregar as energias e voltar mais disposta para a etapa 2.0 do Mestrado.


No gif acima temos uma reprodução fictícia de como vou reagir à todas as comidas brasileiras que me esperam. Obrigada pela leitura, pelo carinho, e pela paciência 🙂 um beijo, um queijo (francês) e uma ótima semana para você. Encerramos com uma imagem iluminada de Safira, que terá seu focinho apertado logo menos.

Bisous e até a próxima ❤

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